ESTUDAR, INDAGAR, INQUIETAR-SE

O grupo de pesquisa Infância, Formação e Cultura/INFOC foi criado em 1992 – num momento em que os grupos não tinham nome – atendia à organização da vida acadêmica no país. Articulado aos movimentos sociais em defesa dos direitos das crianças, no contexto político de formulação da LDB, o INFOC favoreceu a abertura em 1994 do Curso de Especialização em Educação Infantil: perspectivas de trabalho em creches e pré-escolas, oferecido como pós-graduação lato sensu. A partir de então, foram desenvolvidas pesquisas com diferentes temáticas, buscando compreender crianças, jovens e adultos no mundo contemporâneo de forma sensível e ética.

“Cultura, Modernidade e Linguagem: o que narram, leem e escrevem os professores” (1993-1995), coordenado com Solange Jobim e Souza, visava conhecer histórias de leitura, escrita e formação e contribuir para políticas públicas de acesso à escrita, de formação de professores e leitores, como parte de uma política cultural e científica. Perguntava: é possível os professores tornarem seus alunos leitores e pessoas que queiram escrever? Que experiências com a leitura e a escrita têm os professores? Nos relatos, provas, resumos, fichas de livros, leitura imposta e reduzida a conteúdo escolar; sobre a escrita, vergonha, textos rasgados, queimados, jogados fora. Mais do que se formar leitores na escola, os leitores se formavam apesar dela e suas práticas ressecadas, sem sabor. As conclusões ressaltam que a formação de leitores precisa acontecer com práticas sociais de leitura e escrita como experiência de cultura, que sejam um convite à escrita e à leitura de adultos e crianças.

A pesquisa deixou perguntas: práticas e relações dos professores com a escrita se alteram com as gerações? Como professores de diversos momentos e contextos históricos se relacionam com a escrita? “Cultura, Modernidade e Linguagem: leitura e escrita de professores em suas histórias de vida e formação” (1995-1997), com Solange Jobim e Maria Teresa Freitas, ouvindo professores que atuaram desde os anos 1920, favoreceu compreender que ler, escrever e ser professor são faces de um ethos instituído na formação. Os relatos reunidos no livro “Alfabetização, leitura e escrita: formação de professores em curso” sugerem o conceito de “convite à leitura e à escrita” como chave para práticas significativas na escola.

“Cultura, Modernidade e Linguagem: o que leem futuros professores e seus mestres” (1997-1999), coordenado com Maria Luiza Oswald, feito em três escolas normais, lidou com a leitura e a literatura como experiência, gosto como fruto da memória, cultura, geração. Os jovens mostraram que o trabalho com a língua se reduzia à cobrança dos alunos; não se praticava o que era exigido. A pesquisa evidenciou uma concepção instrumental de língua, ações repetitivas, distância entre as práticas e os jovens (vários poetas e compositores). Destacou o papel da narrativa de professores e alunos e sugeriu e que disciplinas com tempo e espaço para livros literários são mais produtivas que Didática da Linguagem e Metodologia.

Aos poucos, a essas se combinavam outras questões. “Formação de profissionais de Educação Infantil: concepções, políticas e modos de implementação” (1999-2005), visou conhecer a Educação Infantil em municípios do Estado do Rio de Janeiro, histórias de propostas, políticas de formação, práticas de professores e gestores. Resultados: Secretarias Municipais não assumem seu papel de formular políticas de Educação Infantil e de formação. Práticas paternalistas, influência de políticos, falta de autoridade e legitimidade da gestão das escolas convivem com professores que resistem a inovações. Pontos tensos: difíceis condições de trabalho, acesso e permanência na profissão; ambiguidades da identidade profissional; dilemas da formação. O Relatório entregue às Secretarias em seminário na PUC apontou a formação de professores como requisito da democratização da garantia do direito de todas as crianças à Educação Infantil de qualidade.

O INFOC se voltou então de uma dimensão macro à micro. “Crianças e adultos em diferentes contextos: infância, cultura contemporânea e a educação” (2005-2008) pesquisou interações e práticas entre adultos e crianças em 21 creches, pré-escolas e escolas do município do Rio de Janeiro. Observações e entrevistas com crianças e adultos foram vividas com angústia pela equipe, diante de crianças tratadas de modo rude com castigos, gritos, brigas, raiva, impaciência, humilhação, mau humor, cansaço. Em muitas instituições, as crianças não podiam brincar, correr ou se tocar. Espaços deteriorados, salas trancadas, ausência de recreio, relações tensas entre gestores, professoras e pais, normas impostas sem explicação, nomes de crianças esquecidos, preconceitos. E contradições: controle do corpo infantil, moralização, deboche ao lado de atenção, carinho, amizade e riso. O livro “Retratos de um desafio: crianças e adultos na Educação Infantil” trata do clima e do tom das dificuldades. Suas urgências e sutilezas.

Adiante, “Educação Infantil e Formação de Profissionais no Estado do Rio de Janeiro: concepções e ações” (2009-2012), coordenado com Patricia Corsino e Maria Fernanda Nunes, parceira até hoje no INFOC, fez o balanço na década da situação da infância, das políticas de Educação Infantil e formação de profissionais nos municípios do Estado do Rio, 15 anos após a LDB, e o estudo micro de interações e práticas entre adultos e crianças em creches, pré-escolas e escolas. Comparados, os dados de 1999 e 2009 indicam expansão, equipes pedagógicas nas Secretarias, mas ainda influência de políticos, precárias condições de trabalho e das práticas.

Nessa trajetória, perguntas geraram outras pesquisas. “Estudos comparativos de interações, práticas e modos de gestão em creches, pré-escolas e escolas” (2012-2015) tomou os campos empíricos de 32 teses e dissertações do INFOC e a empiria redefinida foi analisada com base na filosofia de Martin Buber e os conceitos de presença, encontro, abertura, diálogo, relação, reciprocidade. Esse olhar teórico dirigido a práticas e interações entre crianças e adultos tornou possível perceber encontros e desencontros. Reler os campos das pesquisas e dar a eles outros sentidos ensinou sobre pesquisa, sobre formação humana, sobre achar-se e perder-se. O estudo de Buber – de quem Paulo Freire e Bakhtin foram leitores – acentuou o desvio da rota.

O projeto atual “Linguagem e rememoração: crianças, famílias, professores/as e suas histórias”, em continuidade e ao mesmo tempo resgatando a trajetória do INFOC com as histórias de vida, tem como objetivo abrir espaço para que crianças e adultos sejam narradores de suas histórias de vida, possibilitando escutar múltiplos e diferentes narradores do universo das instituições de Educação Infantil.